por Bruno Benevides | Folhapress
No Chile, as manifestações começaram por causa do aumento da tarifa do metrô de Santiago. No Equador, o estopim foi o fim dos subsídios para a gasolina. No Peru, os atos eram contra a corrupção, enquanto na Venezuela o alvo era o ditador Nicolás Maduro Já os bolivianos estavam divididos: parte estava na rua contra Evo Morales, e parte, a favor dele.
Esses são alguns dos exemplos da onda de protestos que explodiu na América Latina há dois anos, em um sinal de que existia um sentimento generalizado de descontentamento.
Em 2020, a região -assim como o resto do mundo- seria sacudida de novo, dessa vez pela pandemia de Covid.
Correspondente da Folha de S.Paulo em Buenos Aires desde 2016 (e, anteriormente, de 2011 a 2013), Sylvia Colombo se debruça exatamente sobre esse cenário para tentar entender a situação atual da América Latina em seu novo livro, “O Ano da Cólera” (ed. Rocco).
Com evento virtual de lançamento marcado para a próxima quinta-feira (29), a obra traz um panorama dos protestos e acontecimentos políticos recentes na região, traça uma análise histórica das causas da insatisfação popular e mostra o impacto da crise sanitária da Covid-19.
Tudo isso é feito com foco nas diferenças e particularidades de cada país, sem tratar a América Latina como bloco monolítico. “Uma análise que coloca todo mundo junto, como se a América Latina fosse uma coisa só, é preconceituosa e preguiçosa”, diz ela, que é formada em história pela USP. “Por exemplo, não dá para falar da Bolívia e do Equador do mesmo jeito que se fala da Argentina e do Uruguai, por causa da questão indígena.”
Para lidar com isso, o livro foi dividido em sete partes. Na primeira e na última, Sylvia faz uma análise mais geral dos acontecimentos em toda a região, mostrando o que há de comum. Já os cinco capítulos do meio são dedicados aos diferentes países (Chile, Venezuela, Bolívia, Uruguai e Argentina). Essa solução permite à autora detalhar as características sociais, históricas e políticas de cada lugar.
No caso chileno, por exemplo, a jornalista volta até o golpe de 1973, que derrubou o governo de Salvador Allende e instituiu a ditadura militar. De lá, ela mostra como o regime de Augusto Pinochet criou uma Constituição que não atendeu às demandas sociais, em uma crescente que leva aos atos de 2019 –os chilenos aprovaram no ano passado a convocação de uma Constituinte para fazer nova Carta.
Na parte sobre a Venezuela, a autora também vai ao passado para mostrar como o antigo sistema bipartidário atendia apenas os anseios da elite, o que criou o cenário para o surgimento de Hugo Chávez –e como o país se transformou desde a chegada dele ao poder, em 1999, até a situação atual sob Nicolás Maduro.
A estrutura de volta no tempo também aparece nos capítulos sobre Argentina (com destaque para Maurício Marci e para o kirchnerismo), sobre a Bolívia de Evo Morales e da questão indígena e sobre os motivos do Uruguai ter virado modelo de estabilidade.
A essa análise histórica e política, Sylvia acrescenta ainda um tempero local, com histórias que viveu ou apurou durante viagens a esses locais.
“A América Latina é um continente com muitas comorbidades. É uma região com muita desigualdade, muita pobreza, muito trabalho informal”, diz a autora. “O coronavírus mostrou que esses problemas não podem ser encobertos e, que em muitos casos, eles se agravaram. O que leva a gente a pensar que, talvez, quando essa tormenta passar, essas demandas voltem à tona.”
O Ano da Cólera
Sylvia Colombo. Ed.: Rocco. R$ 54,90 (256 págs.). Lançamento e bate-papo virtual com a autora na quinta (29) às 15h, com transmissão pelo Instagram da editora