Por Gram Slattery e Chris Prentice
RIO DE JANEIRO/WASHINGTON (Reuters) – O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está investigando a casa de trading Freepoint Commodities, sediada em Connecticut, para averiguar se pagamentos da empresa a funcionários da Petrobras quebraram leis norte-americanas, afirmaram à Reuters nesta semana duas fontes com conhecimento do assunto.
A apuração criminal, que está sendo comandada por procuradores em Washington, complementa uma outra investigação sobre a companhia, que corre em separado e é conduzida por autoridades no Brasil, disseram as fontes, que pediram anonimato para discutir assuntos confidenciais.
Procuradores brasileiros alegam que a Freepoint pagou propinas a empregados da Petrobras por um período de cerca de sete anos, até 2018. O Departamento de Justiça também investiga esses pagamentos e a possibilidade de eles terem quebrado a lei antipropinas dos EUA, segundo as fontes. Uma das pessoas afirmou que a apuração está relativamente avançada.
O Departamento de Justica dos EUA disse que não iria comentar.
Já um porta-voz da Freepoint disse por e-mail que a empresa “está fortemente comprometida a seguir as leis em qualquer lugar em que faz negócios”. A companhia, que possui sede na cidade de Stamford, não elaborou comentários adicionais.
A Petrobras afirmou por e-mail que possui “tolerância zero em relação à fraude e corrupção” e que funcionários envolvidos em irregularidades em sua unidade de trading “foram imediatamente demitidos por justa causa em 2018”. A estatal acrescentou que têm colaborado de forma extensiva com autoridades brasileiras em diversas investigações de corrupção.
A Reuters noticiou no mês passado que procuradores brasileiros estavam investigando a Freepoint, citando centenas de páginas de documentos judiciais e três fontes. Mas a apuração pelo Departamento de Justiça dos EUA –que possui amplos poderes para multar empresas e restringir suas operações– piora a situação de forma significativa para a trading.
Autoridades de ambos os países estão investigando se a Freepoint pagou propinas a empregados da Petrobras e se o dinheiro era lavado por meio de bancos em outros países, como Suíça e Uruguai, disseram as fontes.
Investigações não necessariamente indicam irregularidades, e ainda não está claro se quaisquer acusações serão realizadas em alguma jurisdição.
A investigação é a mais recente em meio a um amplo esforço de autoridades norte-americanas para eliminar fraudes e irregularidades no setor de commodities. As tradings de commodities, que compram e vendem matérias-primas, muitas vezes operam em jurisdições onde a corrupção é comum, o que as coloca em risco de entrar em conflito com uma lei dos EUA que proíbe o pagamento de propinas a autoridades estrangeiras.
“CRACKDOWN” EM COMMODITIES
As tradings globais de commodities conectam produtores e consumidores, tomando atalhos no meio do caminho. Fundada em 2011 por ex-executivos da Sempra Energy Trading, a Freepoint conta com mais de 500 funcionários em todo o mundo e comercializa energia, metais e produtos agrícolas.
A investigação de alegações de suborno e corrupção é uma atividade central para a Seção de Fraudes do Departamento de Justiça dos EUA há muito tempo, mas a agência reforçou sua expertise em commodities nos últimos dois anos, estabelecendo uma subunidade dedicada ao setor.
Embora as casas de trading de commodities não sejam nomes muito conhecidos, elas detêm um imenso poder. A receita anual combinada das cinco maiores tradings de commodities do mundo equivale, aproximadamente, ao Produto Interno Bruto (PIB) da Arábia Saudita. Elas comercializam mais de 20 milhões de barris de derivados de petróleo por ano.
Órgãos reguladores de todo o mundo têm, cada vez mais, mirado nessas companhias por irregularidades. Em dezembro, a suíça Vitol –maior trading independente de petróleo do mundo– fechou um acordo para pagar 164 milhões de dólares para pôr fim a acusações de corrupção nos EUA e Brasil. Em abril, um ex-empregado da Gunvor se declarou culpado de acusações levantadas nos EUA pelo pagamento de propinas no Equador.
No caso da Freepoint, funcionários da empresa são suspeitos de ter repassado propinas a empregados da Petrobras por meio de um intermediário entre 2012 e o final de 2018, de acordo com documentos judiciais protocolados por investigadores brasileiros em 2020.
Em troca, esses funcionários da petroleira indicavam à Freepoint os valores ofertados por concorrentes da empresa norte-americana por cargas de óleo combustível da estatal. A Petrobras, sétima maior produtora de petróleo do mundo, costuma leiloar grandes volumes de diversos combustíveis para garantir que receba os melhores preços possíveis por seus produtos.
Esse conhecimento interno supostamente permitiu que a Freepoint superasse concorrentes nesses leilões, embora também tenha permitido que a companhia realizasse ofertas menores do que as que seria capaz de fazer, segundo os documentos judiciais brasileiros revelados pela Reuters.
A Freepoint supostamente pagou quase 500 mil dólares à Petrobras por meio de um intermediário apenas no período de agosto de 2017 a novembro de 2018, de acordo com esses documentos.
(Reportagem de Gram Slattery, no Rio de Janeiro, e Chris Prentice, em Washington; reportagem adicional de Sabrina Valle em Houston, Julia Payne em Londres e Alexandria Valencia em Quito)