“Em meus sonhos, muitas vezes vejo o Talebã assumindo o controle da minha cidade”, diz Habib.
Habib é jornalista no Afeganistão e, nos últimos oito anos, trabalhou para um meio de comunicação financiado pelo exército alemão. Seu contrato foi encerrado no fim de junho, quando as tropas internacionais começaram a deixar o país.
“Em meus sonhos, muitas vezes vejo o Talebã assumindo o controle da minha cidade”, diz Habib.
Habib é jornalista no Afeganistão e, nos últimos oito anos, trabalhou para um meio de comunicação financiado pelo exército alemão. Seu contrato foi encerrado no fim de junho, quando as tropas internacionais começaram a deixar o país.
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Por razões de segurança, ele pediu para não usarmos seu nome verdadeiro, quando conversou com a BBC por telefone há três semanas.
“O Talebã vai me matar se capturar minha cidade”, diz o pai de três filhos.
Os combatentes do grupo extremista foram encorajados nas últimas semanas após a retirada das tropas dos EUA do Afeganistão, aumentando sua presença em todo o país, tomando distritos das mãos das forças do governo e se aproximando de grandes cidades como Kunduz, Herat, Kandahar e Lashkar Gah.
O Talebã está cada vez mais perto da cidade de Habib, no norte do país, e ele conta que as estradas costumam estar vazias, o que dá uma sensação de mau presságio.
“Metade dos distritos [da minha província] já está nas mãos do Talebã. Alguns dias atrás, eles chegaram a cerca de 10 a 12 quilômetros da cidade antes de serem repelidos”, diz ele.
Os afegãos passaram por décadas de conflito, mas muitos temem o pior depois que o presidente americano Joe Biden anunciou a retirada completa das tropas em agosto.
As forças lideradas pelos EUA foram em grande parte capazes de manter a estabilidade, mas há dúvidas generalizadas de que o Exército afegão consiga fazer o mesmo. Tomados pelo medo, muitos se esforçam para conseguir um passaporte de saída.
Medo de represálias
Durante seu breve domínio no fim da década de 1990, o Talebã executou pessoas publicamente e restringiu o acesso das mulheres à educação e ao mercado de trabalho.
O Talebã afirma que mudou e não vai mais recorrer a esse tipo de violência.
Em comunicado, eles disseram que pessoas como Habib que trabalharam para os militares estrangeiros não serão alvos, mas mediante uma cláusula:
“Eles devem mostrar remorso por suas ações passadas e não devem se envolver em atividades no futuro que equivalem à traição ao Islã e ao país. ”
Habib está cético, e a ONG internacional Human Rights Watch documentou casos de ataques de represália por combatentes contra civis que supostamente apoiaram o governo.
Habib não tem dúvidas de que será tachado de traidor e já arrumou suas malas com dinheiro, joias, certificados e roupas.
“Nossa sociedade está mudando rapidamente. As pessoas agora estão me dizendo abertamente: ‘Você trabalhou para os estrangeiros’. Isso está me deixando com mais medo.”
Ele não tem certeza se algum de seus parentes ou amigos vão sequer escondê-lo em caso de emergência, sabendo dos riscos envolvidos.
“Trabalhamos para os alemães. Publicamos histórias críticas ao Talebã. Para nós, a maior ameaça vem deles.”
Habib e seus colegas se encontram com frequência para compartilhar informações.
“Eu li que a Alemanha vai dar asilo a todos aqueles que trabalharam para seu Exército. Mas não sabemos como vai ser o processo ou quanto tempo vai demorar”, afirma.
Alguns estão solicitando vistos — Habib também está tentando a sorte com a embaixada da Índia.
Ele conhece muita gente que pagou contrabandistas de pessoas, mas reluta em seguir esse caminho.
“É muito arriscado ir ilegalmente. Podemos ser enganados, roubados ou até mortos. Qual é a diferença entre morrer aqui e morrer a caminho da Europa?”
Ameaças
Diferentemente de Habib, muitas outras pessoas estão explorando todas as rotas de fuga, sejam legais ou não.
“Estou tentando conseguir um visto para o Reino Unido. Se não conseguir, vou para a Europa por uma rota ilegal”, diz um médico do leste do Afeganistão à BBC.
“Nos últimos três meses, nove membros da equipe morreram e quatro ficaram feridos”, revela.
O médico trabalhou para uma campanha de saúde pública em quatro províncias do sul. A campanha foi interrompida em uma das províncias — Nangarhar — depois que cinco profissionais foram mortos em 15 de junho. Suspeita-se que o grupo extremista autodenominado Estado Islâmico seja o responsável pelas mortes.
O médico conta que recebeu uma série de ameaças de grupos armados antigoverno que operam na área e não acredita que o governo seja capaz de garantir sua segurança.
O pai de sete filhos quer vender tudo e deixar o país o mais rápido possível.
Alta demanda
Muito poucos afegãos conseguem obter vistos e muitos procuram a ajuda de redes criminosas em desespero.
“A demanda é alta, então o preço também é alto”, diz Sami (nome fictício, ele pediu anonimato), um contrabandista de Cabul.
“Eu costumava cobrar US$ 8 mil para levar uma pessoa para a Itália. Agora custa US$ 10 mil.”
Isso é muito dinheiro em um país onde a renda média é de apenas US$ 500 por ano.
Desde que os EUA deixaram a gigantesca base aérea de Bagram, Sami diz que seu negócio está crescendo.
“Nas últimas duas semanas, enviei cerca de 195 pessoas. Mandarei dezenas de outras em breve.”
Jornada perigosa
Sami afirma que conta a seus clientes sobre os perigos envolvidos, mas isso nunca desanima ninguém. Alguns deles já foram presos e deportados antes.
“Se o Talebã assumir o controle, mais gente será morta, muitos estão correndo grandes riscos”, afirma.
As pessoas são levadas ilegalmente através do Irã, seguindo para a Turquia e depois atravessam para a Grécia de barco, entrando assim na Europa.
“Quase 900 pessoas perderam a vida durante as travessias marítimas para a Europa neste ano”, diz o porta-voz da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Babar Baloch.
“Há quase 9 mil solicitantes de asilo nas ilhas gregas atualmente. Os afegãos representam 48% dessa população”, acrescenta.
De acordo com o Relatório de Tendências Globais 2020 da ACNUR, quase 3 milhões de afegãos se deslocaram internamente no Afeganistão no fim do ano passado, com cerca de 2,6 milhões no exterior.
Nos primeiros seis meses deste ano, mais 200 mil afegãos foram deslocados internamente, e a ONU teme “mais deslocamento dentro do país e além de suas fronteiras”.
Temendo o pior
Um dos migrantes que pagou para Sami é Asad, de 17 anos (nome fictício), da província de Nangarhar. Ele cruzou o Irã e conversou com a BBC — sob condição de anonimato — da cidade de Van, na fronteira com a Turquia.
“Nas próximas semanas haverá confrontos de rua em rua”, diz Asad.
Muitos grupos armados operam no país. Alguns fazem parte do governo e são inimigos mortais do Talebã e de outros grupos combatentes, como o Estado Islâmico.
“Não sabemos o que acontecerá com o Afeganistão no futuro. Quero ir para um lugar pacífico”, acrescenta Asad.
Ele não fala inglês ou qualquer outra língua europeia. Está viajando com cerca de três dúzias de homens afegãos — a maioria, assim como ele, não terminou a escola e também não tem habilidades técnicas.
“Se eu for pego, tentarei de novo. Não quero ficar no Afeganistão”, diz ele.
Asad — cuja família é relativamente próspera — afirma que pretende pedir asilo na França.
Entre a esperança e o desespero
De volta ao norte do Afeganistão, a espera está se tornando insuportável para Habib.
Sua cidade ainda está sob o controle do exército afegão, mas o Talebã não está longe — e ele ouve explosões e tiros à noite.
Ele está preocupado em não conseguir escapar se o aeroporto for tomado. Enquanto isso, seus bens estão perdendo valor rapidamente.
“Ninguém quer comprar um carro ou uma casa. As pessoas querem vender tudo e sair correndo”, diz ele.
Habib mantém os olhos abertos à espera da mensagem que pode salvar sua vida.
“Vivemos entre a esperança e o desespero. Estou aguardando um e-mail que diga: ‘Pode vir para a Alemanha'”, afirma.
Fonte yahoo notícias