O Senado realizou nesta terça-feira (2) sessão especial para celebrar a redemocratização do Brasil após o fim do regime militar, que durou 21 anos, de 1964 a 1985. A homenagem no Plenário foi solicitada pelo senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), que é líder do governo no Congresso.
A data da sessão remete ao dia 2 de abril de 1964, quando o Congresso Nacional declarou vago o cargo de presidente do país, até então ocupado por João Goulart. Jango era vice-presidente eleito e assumiu a Presidência da República após a renúncia do presidente Jânio Quadros.
— A sessão é realizada em celebração à democracia brasileira neste 2 de abril, 60 anos após o golpe de Estado de 1964 — explicou Randolfe. Em seu discurso, ele destacou a aprovação pelo Congresso Nacional, em 2013, do projeto de resolução que anulou a declaração de vacância da Presidência em abril de 1964 e devolveu simbolicamente o cargo de presidente a Jango. A proposta foi apresentada por Randolfe e então senador Pedro Simon.
— Os símbolos são sobretudo para que não se esqueça. Foi por isso que a devolução do mandato de João Goulart foi simbólica há dez anos. Simbólica para lembrar que o Estado errou e que o Congresso Nacional cometeu e legitimou uma arbitrariedade na madrugada de 1° para 2 de abril de 1964 — reforçou o líder do governo.
Participaram da sessão Maria Thereza Goulart, ex-primeira-dama do Brasil; João Vicente Goulart, filho mais velho de Jango e presidente-executivo do Instituto João Goulart; José Dirceu, ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil; Pedro César Batista, integrante da comissão “64: Não Esqueceremos”; e a jornalista Mara Luquet.
Dirceu lembrou em sua fala os atos dos governos militares e a resistência dos trabalhadores. Ele exaltou a continuidade luta política para consolidar e aprofundar a democracia com uma “revolução social”.
— Não é verdade que o golpe de 64 teve apoio popular. Tanto não é verdade que a ditadura perdeu as eleições para governador em Minas Gerais, no meu estado, e no Rio de Janeiro […] Perdendo as eleições, [a ditadura] acabou com as eleições, acabou com os partidos e impôs a censura e a repressão. Mas o povo resistiu. Primeiro, os estudantes, depois os jornalistas, os intelectuais, os artistas e depois os trabalhadores com as greves de Contagem e Osasco — relembrou o ex-ministro, que foi um exilado político durante parte do regime militar.
Sobre a decisão de João Goulart de deixar o cargo, João Vicente afirmou que, com a escolha, ele evitou “derramar sangue” e garantiu a “preservação da territorialidade brasileira”.
— O presidente João Goulart renunciou ao poder naquele momento para não derramar sangue dos seus irmãos brasileiros, mas principalmente porque existia um período de guerra fria, e nós sabemos que o imperialismo americano teve grandes influências aqui no golpe de Estado de 1964 — afirmou João Vicente, mencionando o arsenal de guerra da marinha dos EUA deslocados para a costa brasileira em apoio ao governo que se instalava à força.
Diretora do canal MyNews, Mara Luquet afirmou que a defesa da democracia deve ser constante e pressupõe o aprimoramento das instituições. Ela também defendeu a atuação do jornalismo independente neste processo e a “memória” da história como forma de resistência.
Desaparecidos
Randolfe também lembrou os desaparecidos em razão da ditadura e as vezes em que o Congresso foi fechado durante o período militar. Ele mencionou que, segundo a Comissão Nacional da Verdade, mais de 50 mil pessoas foram presas pelos militares. O relatório final da CNV também reconheceu a morte e o desaparecimento de 434 pessoas durante o período.
Na sessão, o senador Humberto Costa (PT-PE) defendeu retomar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos para “fazer justiça” às vítimas e seus familiares. O colegiado foi estabelecido em 1995 e extinto em 2022:
— Foram 60 anos do golpe civil-militar, quando tivemos a derrubada da democracia por parte dos militares […] Houve uma escalada de intolerância e recrudescimento do regime, que levaram à supressão de liberdades, à cassação de direitos políticos, ao fechamento do Congresso Nacional, mortes e torturas ocorridas por todos os cantos do país.
Forças Armadas
Randolfe declarou em seu discurso ser necessário despolitizar as Forças Armadas. Segundo ele, cabe aos militares o papel de “sacerdócio”. Ele mencionou que os próprios integrantes das Forças também foram alvo de tortura durante o regime pós-1964.
O senador e Dirceu defenderam o debate público e democrático sobre o papel das Forças Armadas e comentaram sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que formou maioria na segunda-feira (1°) para rejeitar a hipótese de as Forças Armadas atuarem como poder moderador. O julgamento da Corte segue no plenário virtual até o próximo dia 8.
— Não existe país democrático do mundo em que o direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional. O poder militar se submete ao poder civil eleito em uma democracia — enfatizou Randolfe.
Livros
Após a sessão, foram lançados dois livros sobre o regime militar que se iniciou em 1964: Tempo de Chumbo, produzido pelo canal de jornalismo MyNews, reúne textos de políticos e acadêmicos, como o ministro do STF Gilmar Mendes. Randolfe é um dos autores da publicação.
Também foi apresentada a reedição, com novos escritos e contribuições, do livro A Renúncia de Jânio. No texto, o falecido jornalista Carlos Castelo Branco, que atuava como secretário de imprensa de Quadros, relembra fatos que antecederam o regime militar. A nova versão incluirá a matéria publicada em 2021 pela Agência Senado sobre o fato histórico. O livro constitui uma versão especial publicada pelo Conselho Editorial do Senado em 2017, após os escritos originais permanecerem 30 anos guardados.
Fonte: Agência Senado