Chile elege os redatores de sua futura Constituição

Mais de 14 milhões de chilenos são chamados às urnas neste sábado (15) e domingo (16) para eleger entre 1.373 candidatos os 155 que irão redigir uma nova Constituição que buscará enterrar aquela herdada da ditadura de Augusto Pinochet.

Embora o dia tenha começado com um baixo fluxo de eleitores, a partir do meio-dia houve uma grande mobilização de eleitores nas principais cidades do país, que expressaram suas expectativas sobre um processo que se inicia visando deixar um longo período de convulsão social em uma sociedade desigual e fragmentada.

“Esperamos conseguir um bom grupo humano que trabalhe para todos”, disse Silvia Navarrete, uma economista de 35 anos, à AFP depois de votar com sua parceira e sua filha nos braços.

Com todas as medidas de saúde impostas pela pandemia, as assembleias de voto abriram às 8h00 (9h00 de Brasília) e vão fechar às 18h00 (19h00 de Brasília).

“Espero que tenhamos uma Constituição que reúna a alma de nosso país”, disse o presidente conservador, Sebastián Piñera, após votar em Santiago.

A nova Constituição deverá ser concluída num prazo de nove meses, prorrogável apenas uma vez por mais três meses, e em 2022 deverá ser aprovada ou rejeitada em referendo com voto obrigatório.

Essa eleição, fruto do plebiscito de 25 de outubro de 2020 – quando quase 80% dos chilenos aprovaram a mudança da Constituição herdada da ditadura de Augusto Pinochet por meio de uma Convenção Constitucional composta apenas por membros eleitos por voto popular – busca canalizar o descontentamento e a frustração de uma sociedade que vê na antiga Carta Magna a base que beneficia uma elite econômica e política com um Estado fraco em educação, saúde e habitação.

“O Chile tem agora a possibilidade de fazer uma segunda transição (política), que demorou três décadas, devido a uma tendência muito forte de manter o status quo do sistema partidário”, comentou à AFP Marcelo Mella, cientista político da Universidade de Santiago.

O processo também marcará a primeira vez no mundo que uma Constituição será escrita por constituintes eleitos de forma paritária, em igual número de homens e mulheres, e fará história ao reservar 17 cadeiras para os 10 povos originários do país.

Entre os 19 milhões de habitantes, 95% apoiam o reconhecimento constitucional dos indígenas, segundo levantamento do Centro de Estudos Interculturais e Indígenas (CIIR), 55% optariam por um Estado Multicultural e 16% por um Estado Plurinacional, este último um dos principais objetivos apontados pelos candidatos mapuches consultados pela AFP.

Cada eleitor votará em quatro cargos. Além de um constituinte, votará para prefeito, vereador e, pela primeira vez, para um governador regional, outro sinal de que uma sociedade mais participativa está sendo buscada em um dos poucos países da OCDE que não elegia autoridades regionais.

– Temor e esperança –

Com esta eleição, o Chile inicia um processo constituinte sem precedentes que durará até o próximo ano e que provoca esperança, mas também medo entre a população.

“Vai permitir que o Chile de alguma forma nos reconcilie e deixe o passado para trás. Custou muito fazer isso e há muitas feridas que ainda não fecharam”, diz Lilian Lavanchez, de 65 anos, uma assistente social que tinha 17 anos quando ocorreu o golpe militar de Pinochet.

Mas Valentina González, de 45, “tem muito medo de que mude para uma Constituição esquerdista e voltada para o marxismo”.

“É algo muito sério de que depende o país. Estou bastante preocupada e espero que o que for escrito mude o menos possível a Constituição atual, que acho que nos levou a ser o país com a melhor economia da América Latina América e com bastante desenvolvimento nos últimos 30 anos”, afirma.

O Chile chega a esta megaeleição em um contexto de otimismo devido ao boom do preço do cobre, principal produto de exportação chileno.

O país tem a maior renda per capita da América Latina e é o terceiro com mais bilionários da região, embora também seja um dos mais desiguais.

Em uma sociedade em que a classe trabalhadora e mesmo a classe média alta vivem com alto nível de endividamento, há baixa satisfação com a qualidade de vida, segundo levantamento da consultoria Cadem.

A pandemia atingiu duramente o país – com mais de 1,2 milhão casos e quase 30.000 mortes por covid-19. Atualmente, porém, registra progressiva queda de contágios, óbitos e ocupação hospitalar, e mais de 48,5% da população-alvo (de 15,2 milhões de habitantes) já recebeu as duas doses da vacina.

Num contexto de frustração, “está em jogo a capacidade do sistema partidário de garantir a governança em um contexto de mudança”, aponta Mella. Se não conseguir, o campo estará servido para que alternativas abertamente populistas possam se consolidar, acrescenta.

Sem pesquisa e restrições às campanhas eleitorais por conta da pandemia, “há muitas dúvidas sobre o resultado (…) Não sabemos ao certo quantas pessoas vão votar”, disse à AFP Claudio Fuentes, acadêmico da Escola de Ciências Políticas da Universidade Diego Portales.

Para Gonzalo Müller, professor da Universidade de Desarrollo, “o voto moderado será majoritário” contra as opções mais radicais.

“As coalizões que oferecem governabilidade vão conquistar grande parte dos votos”, beneficiando a centro-esquerda e a coalizão do governo conservador de Sebastián Piñera.

“O Chile é um país de classe média em sua maior parte e que fala de um certo grau de moderação. Eles querem mudanças e que essas mudanças sejam implementadas rapidamente, mas que sejam feitas com ordem e paz”, acrescenta.

Por outro lado, Mella acredita que em um cenário muito “incerto” devido ao voto voluntário, é difícil antecipar resultados, mas observa que as pesquisas anteriores apontaram uma estagnação da centro-esquerda.

Por: Paula BUSTAMANTE, Paulina ABRAMOVICH